segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Questão Social

O Saxo e o Caco - autor Jorge Cabral

Poucos dias faltavam para o Natal, e a tarde estava quente. Todo nu no meu abrigo, fazia a sesta, quando sou despertado por enorme algazarra misturada com os ruídos do helicóptero.-Alfero, Alfero, é Spínola! - gritam os meus soldados (2).(Estou tramado, o quartel está uma merda. Que visto? Apresento-me em estado de nudez? Não há tempo a perder. O pássaro já poisou e o General avança. Enfio uns calções antigamente verdes, umas chinelas, e claro uma boina, para poder fazer a devida continência).Eis-me assim, garboso Comandante, apresentando a tropa, e os milícias, todos eles mal fardados, como era habitual.Sua Excelência, pede um intérprete, pois vai botar discurso. E começa:- Debaixo desta bandeira… - e aponta o braço na direcção onde pensava que a mesma existia. Fica-lhe o braço no ar, mas continua:- ... A Pátria… - , e notando a atrapalhação do tradutor, pergunta-lhe:- Sabes o que é a Pátria?- Não - responde aquele.(Lixei-me! Vou ser despromovido, talvez preso. Dentro de mim um turbilhão de maus presságios começa a fervilhar. Mentalmente preparo réplicas. Não é necessária bandeira, pois a Pátria está dentro de nós, e por isso, meu General, é indefinível, responderei).Mas o Caco nada me pergunta. Vem acompanhado de três majores e um capitão. Querem ver tudo. Primeiro a Escola. Onde funciona?(Escola? Qual Escola? Pensa rápido, Jorge! Inventa!)- Sabe, meu Major, estas crianças também frequentam o ensino corânico, que decorre ao ar livre. Por isso considerei que a nossa escola não devia ser enclausurada, pois tal podia traumatizá-las.- Ainda assim…- começou o Major, impedido de continuar por um olhar do Com-Chefe.- E o Heliporto? - indagou um outro Major - Parece muito atrasado.- É que, meu Major, faltam os materiais e também operários especializados.- Operários especializados? Então e os seus soldados?!- Todos homens de Fé, meu Major. Tirando a actividade operacional, dedicam-se à reflexão.Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!)Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:- Qual o sinal, nosso Alferes?- Uma granada - improvisei eu.Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu.Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:-Já vi tudo!.Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa de whisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló (3). Contou-me o Branquinho (4) que quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:- Ainda bem!

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